Um
dia de glória
Sergio
Faraco
Na
manhã em que vieram entregar o roupeiro novo, Luíza não sabia o
que fazer com os carregadores. Ofereceu cafezinho e copos de
refresco, cheia de gratidão, como se deles proviesse o bem que a
redimia de tão longa espera. Agora o roupeiro estava ali, no lugar
daquela geringonça que a vexava, obrigando-a a encostar a porta do
quarto quando recebia visitas. Suas roupas e também as do marido
estavam sobre a cama e antes de guardá-las sentou-se para admirar a
maravilha. Tinha espaço para todo o vestuário da família,
prateleiras, gavetas, calceiras e ainda a parte superior para os
cobertores, as colchas e as toalhas. Meu Deus, ela murmurou, certa de
que aquele era um dos dias mais felizes de sua vida.
No
fim da manhã chegaram as meninas da escola e Luíza as recebeu com
um sorriso iluminado.
-
Surpresa! Surpresa!
Ajudou-as
a tirar as mochilinhas e as levou ao quarto. Elas não a
decepcionaram, saudando a novidade com o alvoroço de suas
exclamações gasguitas. Escolheram as respectivas prateleiras e
depois do almoço, gorjeando como pardoquinhas, começaram a arrumar
as roupas. Luíza já guardara as do casal e as orientava e auxiliava
e às vezes suspirava, com os olhos marejados.
O
marido de Luíza chegou ao cair da noite, cansado como sempre, mas
ansioso.
-
Veio?
-
É lindo, um sonho…
Desde
o ano anterior ele vinha pondo de lado, mensalmente, uma pequena
quantia, e a cada vez que subia seu capital, descobria, consternado,
que também tinha subido o preço do roupeiro. Esperava fazer a
compra em alguns meses, mas levara mais de ano correndo atrás do
preço e só pudera alcançá-lo à custa de sacrifícios que,
naquele instante, não queria lembrar.
No
quarto, estranhou, desde logo, o resto da mobília. Sua cama parecia
agora a cama de um albergue, as cortinas, farrapos sujos, e a própria
parede, com manchas conhecidas de umidade, mostrava outras que ele
nunca tinha visto. Mas o roupeiro… E a mulher e as meninas o
olhavam. Ele abriu as portas uma a uma, as gavetas, examinou os
puxadores e as porcas que os prendiam por dentro, bateu com o nó do
dedo na madeira e passou a mão na superfície envernizada.
-
Beleza pura – disse.
Luíza,
sem poder conter-se, bateu palmas, e as meninas se abraçaram á
cintura do pai. Que dia! Sentaram-se todos na cama e Luíza fez
questão de contar, tintim por tintim, sua aventura matutina, desde a
chegada dos carregadores até o momento em que eles se despediram -
um deles, por sinal, muito interessado no guarda-roupa velho, que
jazia desmontado na área de serviço.
A
janta naquela noite foi frugal, mas ninguém reclamou. Depois as
meninas foram ver televisão e o casal ficou a relembrar o quanto
havia custado, verdadeiramente, aquele dia de glória. A mão do
homem estava sobre a mesa, a caçar farelinhos de pão, e a mulher
pôs a sua sobre a dele.
As
crianças já dormiam. Luíza e o marido,na cama, tinham deixado a
luz acesa e olhavam para o roupeiro novo com orgulho, reverência e
um receio incerto. Quando apagaram a luz, bem mais tarde do que
costumavam, o roupeiro resplandecia na penumbra, como envolto numa
aura.
-
Que coisa – disse Luíza -, dá até uma vontade de rezar, não dá?
-
Dá – ele disse.
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